COM A PALAVRA, 46 MILHÕES

Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 15 de novembro de 1978

A partir das 8 horas de hoje, os 46 milhões 862 mil 719 eleitores registrados no Pais vão escolher entre 4.004 nomes (2.109 da Arena, 1.896 do MDB) os seus candidatos ao Senado, Câmara dos Deputados e Assembléias Legislativas. Só nos últimos dias e campanha eleitoral conseguiu maior participação popular, mostrando que a Lei Falcão conseguiu mais uma vez separar os eleitores dos candidatos.

Pelo voto direto serão escolhidos 23 senadores (93 candidatos - 50 da Arena e 43 do MDB), 420 deputados federais (1.109 candidatos - 578 da Arena e 531 do MDB) e 840 deputados estaduais (2.803 candidatos - 1.481 da Arena e 1.322 do MDB).

O voto para o Senado não é vinculado ao voto para a Câmara dos Deputados e Assembléias Legislativas. Mas o voto para a Câmara e Assembléia é vinculado, ou seja, o eleitor deve escolher candidatos do mesmo partido.

Em São Paulo, caso seja eleito um senador do MDB, o segundo candidato a senador mais votado do mesmo partido será automaticamente o primeiro-suplente. E o suplente do candidato a senador mais votado será o segundo suplente.

O TRE de São Paulo espera concluir as apurações no Estado em três dias.

O dia dos candidatos

O sociólogo Fernando Henrique Cardoso prosseguiu ontem sua campanha com um passeio eleitoral pelo centro da cidade, declarando, ao final, que o ponto mais positivo de sua candidatura foi a descoberta de uma força política no País. Ele admitiu falhas na campanha, mas procurou justificá-las dizendo que "é errando que se aprende", e afirmou que sua candidatura se tornou popular, apesar das dúvidas que havia inicialmente. Independentemente dos resultados da eleição, disse que pretende liderar a "força nova" a que se referiu, aglutinando-a numa luta para "mudar o Brasil", mesmo que seja no MDB.

O candidato Cláudio Lembo, depois de tratar, pela manhã, da representação que encaminharia à tarde ao TRE contra os senadores Orestes Quércia e Itamar Franco, visitou alguns amigos que ajudaram na campanha e em seguida percorreu o centro da cidade, onde foi reconhecido por populares, distribuiu autógrafos e beijos para as moças. Relembrou os tempos de faculdade de Direito do Largo São Francisco, visitou o antigo bedel e concluiu, na longa conversa, que os estudantes do seu tempo "eram mais românticos".

Sem esconder a confiança do êxito de sua candidatura à reeleição, o senador Franco Montoro afirmava ontem, em seus últimos contatos com o eleitorado e com jornalistas, que "o resultado da eleição de amanhã (hoje) será o julgamento de oito anos de trabalho no Senado". Nas sucessivas entrevistas que concedeu, procurou, ainda, analisar o futuro político do País, que diz ser agora sua preocupação. Pela manhã, Montoro percorreu a região do ABC.

EDITORIAL

A Nossa vez

Num regime democrático estável, as datas eleitorais podem até passar por corriqueiras, embutidas na normalidade da vida civil que legitima e absorve conflitos. No caso brasileiro, porém, ocorre o inverso: as eleições são momentos de considerável intensificação das relações políticas, que se desenvolve em meio a um clima tenso e eventualmente até traumático. Isso ocorre, em parte, porque ainda carregamos a herança histórica que nos é transmitida pela má idéia de que a política se faz apenas durante a campanha eleitoral; antes e depois dela a atividade pública tende a tornar-se oficio de um reduzido número de pessoas, partícipes de um círculo fechado que só se abre para permitir a passiva participação popular quando de inauguração e festas oficiais. Em parte, por outro lado, porque em nosso País as eleições se transformaram na única e exclusiva oportunidade de participação dos setores sociais na estrutura institucional. Estrangulados os seus meios de organização, obstruídas as suas vias de propagação de informações e idéias, a sociedade encontra nos períodos eleitorais um breve abrir e fechar de portas, uma fresta por onde o povo pode espiar e interferir a nível institucional.

O primeiro sinal da importância do pleito legislativo nacional que hoje se fere decorre, portanto, exatamente daí: por meio do processo eleitoral, que culmina com o ato de votar, a população participa, educa-se, aumenta sua carga de informações e experimenta, ainda que por instantes, a responsabilidade de chamar às suas mãos o seu próprio destino.

Seria redundante mencionar o conjunto maciço de medidas adotadas pelo oficialismo com o objetivo de evitar uma condenação irretorquível de sua política autoritária. Elas vão desde a lei Falcão e o senador "biônico" até as intimidações policias, as pressões econômicas, os critérios incorretos de representação por Estado e assim por diante. Esses vícios que incidem sobre o pleito, deformando-lhe os resultados e o próprio conteúdo, foram exaustivamente abordados e criticados pela imprensa e são bastante conhecidos da opinião pública, que sobre eles já formou julgamento. Mas com todas essas distorções, o oficialismo não conseguiu acabar com o sufrágio propriamente dito. Este, permanece. Limitada e dirigida por inúmeros constrangimentos, alguns até de natureza inconsciente, a vontade do eleitor preserva ainda uma estreita faixa de autonomia, e por essa faixa transitam, com inegável vigor, as tendências democráticas que hoje disputam o voto popular.

Antes de tudo, é importante votar. Comparecer às urnas significa que não abdicamos do direito de conduzir a nós mesmos, por meio de um Estado que mantemos com o nosso trabalho e que queremos constituído de acordo com a nossa vontade. Quanto menor for o número de abstenções, tanto mais patente estará a disposição da sociedade de participar, de interferir no processo político que só a ela diz respeito, mas que não obstante é conduzido à sua revelia.

É evidente que este pleito, em si, mudará pouca coisa. O oficialismo já fez aprovar, por meio da maioria de que dispões na atual legislatura do Congresso Nacional, dispositivos que asseguram interferência mínima dos resultados das urnas sobre os mecanismos decisórios ou mesmo homologatórios. Para isso foram inventados os "biônicos", por exemplo. Mas é também evidente que se o eleitor ficar em casa, vendo tv, nada mudará. Por menores que sejam os resultados efetivos das eleições em favor da população, haverá conquistas em termos de consciência política, de isolamento das propostas autoritárias, de exercício de participação, ainda que restrita. Além disso, o eleitorado tem, hoje, condições de eleger bancadas altamente representativas e qualificadas. Basta saber escolher.

Mas quem espera que sejam resolvidos, hoje, os problemas do País, obviamente se engana. Uma sociedade justa, humana e democrática só será construída com muito trabalho e perseverança. Atualmente, quem quer mudar, não pode - e quem pode, não quer.

Quanto ao conteúdo do voto, a opção do eleitor só pode ser uma oposição claramente democrática. A abertura política que, a despeito de todos os obstáculos, ocorre no Brasil desde 1974, permitiu a emergência de uma verdade que não é revelada por ninguém, se não pelos fatos. Só com liberdade para discutir, organizar-se e participar, a população poderá abrir caminho para a solução dos problemas da moradia, da alimentação, do transporte popular, da assistência médica, da educação, da cultura, do meio ambiente. Votar em candidatos que não estejam empenhado, de maneira constante, honesta e eficaz, na construção de um regime de participação democrática, é jogar o sufrágio pela janela do autoritarismo.

Esperamos que os resultados destas eleições gerais conduzam aos parlamentos personalidades afinadas com o conjunto de reivindicações democráticas hoje postas em pauta, e capazes de estender essas reivindicações, de modo maduro e sério, ao nível institucional, amarrando a estrutura de poder com a mobilização de largos setores da sociedade civil.

Neste sentido, impõem-se o voto consciente em candidatos que não apenas se identifiquem com a opção democrática, mas que tenham como roteiro concreto a luta por melhores condições de vida para a maioria da população, tendo em vista a organização de um regime democrático que assegure a estrita observância dos direitos do homem e do cidadão e que atenda aos interesses da maioria da população, por meio da participação política livre de todos os setores da sociedade e de todas as tendências de opinião; que observe a liberdade de informação, compreendida como direito de todos terem acesso ao conhecimento dos fatos e das idéias; que fortaleça os organismos da sociedade civil; que proporcione a distribuição mais equitativa da renda nacional, a partir da reorientação dos mecanismos de tributação; que promova a submissão de toda economia ao interesse social, por meio da fiscalização do Estado democrático e que, por fim, tenha como meta a preservação da identidade cultural brasileira.

O povo brasileiro hoje vota. Acreditemos na nossa capacidade de discernimento, no poder renovado das idéias e no futuro democrático do Brasil.


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