APÓS TANTAS ESPERANÇAS A SUPREMA DESILUSÃO

Conquistaram os uruguaios a taça "Jules Rimet" quando todas as circunstâncias nos favoreciam - Vitória da fibra e do coração - Faltou orientação técnica ao quadro nacional - Ghighia marcou o gol da vitória ao faltarem 10 minutos para terminar a partida - Recorde de renda: Cr$ 6.272.959,00


Publicado na Folha da Noite, segunda-feira, 17 de julho de 1950

Neste texto foi mantida a grafia original

Terminou o título mundial de 1950 nas mãos de quem mais o merecia. Procurar desculpas para atenuar o revés desta tarde no Maracanã seria incorrer em ridículo. O Uruguai sagrou-se com toda a justiça e com maior merecimento Campeão do Mundo, restando-nos a satisfação de saber que os orientais, com a mística da "celeste olímpica", com o coração maior do que o seu pequeno país, saberão defende-lo como o Brasil jamais seria capaz. Enquanto os orientais nasceram com alma de campeões, os nossos jogadores possuem apenas a de artistas da pelota, malabaristas impressionantes, mas sem a coragem, sem o entusiasmo e muito menos sem o espírito de luta que leva e move qualquer equipe às grandes conquistas. Se, pelo bamburro da sorte, nos últimos minutos da peleja lograsse o Brasil empatar, teríamos a taça "Jules Rimet" guardada numa frágil redoma, suscetível de se quebrar à menor brisa, enquanto que indo para Montevidéu ela será guardada no cofre mais forte, de resistência incomparável, que é o coração do homem, quando esse homem sabe querer e não mede sacrifícios para conquistar aquilo que quer. Sejamos grandes na derrota, embora ela nos tenha furtado tudo quanto existe em matéria de futebol, e constitua para nós uma autêntica vergonha. Rendamos as nossas homenagens aos Campeões do Mundo, aos esportistas que contra tudo e contra todos, inferiores em técnica, inferiores em padrão de jogo, inferiores em valores individuais, venceram tudo isto com méritos de sobra.

É preferível confessarmo-nos pusilânimes do que tentar enlamear com desculpas esfarrapadas uma vitória vibrante, uma vitória máscula e impressionante. Salve o Uruguai, digno Campeão do Mundo e que mais do que os nossos saberá defender e honrar o título que tão sem fibra e tão sem vibração deixamos escapar, para não conquista-lo jamais a não ser que os nossos deixem de jogar tanto e passem a ter um pouco mais de sangue.

PERDEMOS A GRANDE OPORTUNIDADE


O futebol brasileiro perdeu esta tarde no Maracanã sua maior oportunidade, a grande e talvez única oportunidade de sua história e pior do que isso, desmoralizou-se de forma absoluta, porque deixou escapar o título mundial quando todas as circunstâncias lhe bafejavam, facilitando-lhe a tarefa. Todos contavam com a vitória dos nacionais, porque na verdade o selecionado estava jogando bem e lhe sobrava méritos técnicos e valores individuais. Todavia, bastou que um adversário lhe exigisse aquilo que todos têm quando se trata de um título tão importante e cobiçado, para que ele conhecesse um revés fatal. Não se diga que a equipe não acertou em conjunto, que tecnicamente se apresentou inferior e produziu menos do que contra a Espanha, Iugoslávia ou Suécia. Não. Ela atuou da mesma forma, porém contra um competidor que lhe exigiu sacrifícios, que se defendeu com fibra e não se intimidou ante o seu cartaz e que incorreria no sacrifício pessoal de seus jogadores, se tal fosse preciso para salvar a situação, e, como tal, também não trepidariam em sacrificar o próximo, embora os uruguaios não tivessem empregado ou abusado de jogo violento.

Tanto isso é verdade que não temos nenhum jogador contundido e seria impossível que eles se machucassem, pois viveram fugindo da luta, com honrosas mas pouquíssimas exceções. Lamentável essa verdade, mas que precisa ser dita sem nenhum atenuante, duramente como duramente foi atingida a opinião pública e o povo do país. O quadro brasileiro, em virtude da falta de fibra e de coragem, joga bem quando está em vantagem, quando tudo lhe corre às mil maravilhas, mas bastou que os uruguaios marcassem e quisessem vencer para aparecerem os defeitos da nossa equipe, para que todos ficassem sabendo que só com ventos favoráveis é que o selecionado brasileiro sabe jogar.

Diga-se também que a seleção do Brasil foi pessimamente orientada. Como é óbvio, só que se precisa de um técnico quando é preciso e se impõe fazer alguma coisa. E o que houve? Todos viram que os nossos não entravam na área e aqueles que podiam marcar gols eram vigiados perfeitamente, mas nenhuma providência foi tomada. Deixou de ser adotado qualquer recurso para evitar a marcação uruguaia e abrir aos nossos o caminho da vitória. Nada disso. O onze brasileiro terminou como começou jogando. Somente Flavio Costa não viu, pois os 200 mil espectadores sem dúvidas viram que a defesa oriental deixava Zizinho manobrar à vontade, porque ele não podia concluir suas tramas, estando os outros vigiadíssimos. Esperava-se que no segundo período os pontas levassem instruções para o campo, no sentido de fechar em diagonal para dentro da área. Que Zizinho trocasse de posto com Ademir, a fim de mudar os elementos que os marcavam, criando novas situações. Mas nada. Quando mais o quadro precisava de um técnico, Flavio foi Flavio...

SÓBRIOS OS URUGUAIOS


Os uruguaios, sem muitas demonstrações e nenhuma filigrana, apresentaram excelente partida. Deixavam os brasileiros manobrar à vontade, de fora da área, e marcavam de fato com segurança absoluta os adversários; jogavam adiantados e portando, com verdadeiras possibilidades de obter gols. Eram medíocres os orientais no meio do campo, pois se deixavam desarmar com facilidade e eram facilmente contidos. Mas quando chegavam na área se agigantavam, se desdobravam e davam tudo para aproveitar, para transformar em gol o lance.

A tática usada pelos orientais foi a de destruir pela marcação os pontas de lança dos adversários, principalmente os extremas. Sim. Chico e Friaça foram praticamente inúteis, pois se faziam farol à vontade, tanto Rodriguez Andrade como Gambeta não lhes permitiam cruzar uma bola para dentro da área. Matias Gonzalez custodiava Ademir, não lhe permitindo chutar de perto. Os chutes de longa distância morriam nas tenazes de Maspoli. Jair intimidade, tratava mais de defender as canelas do que a pelota quando estava em seu poder. Zizinho, o homem de coragem do ataque, precisava encarregar-se de armar jogo, construir jogadas, dentro aliás das características técnicas do quadro. Via-se que Zizinho xingava, brigava com os companheiros, mandando-os para dentro da área dos vencedores, para que brigassem pela vitória como se costuma dizer.

Quanto ao ataque, os orientais empregaram a tática mais indicada aos seus valores individuais. Julio Perez, um grande fintador, de um fôlego impressionante, tentava levar pânico à área dos nossos com seu impecável individualismo. Iniciava quase sempre as suas jogadas estando desmarcado, pois para tanto fugia das cercanias da área. Quando surgia uma oportunidade, Perez lançava Ghighia em profundidade. Este vencia a marcação que lhe movia Bigode pela espantosa velocidade que possui e cruzava a bola. Assim foi marcado o primeiro gol e muitas vezes a meta de Barbosa passou por sérios perigos, porque da velocidade de Ghighia resultava a desmarcação dos outros jogadores do Uruguai.

A linha média jogou em função de Julio Perez e também de Ghighia sem avançar muito. Tinha-se a impressão de que preferia ser dominada para romper o cerco de surpresas e aproveitar-se dos dois valores já citados.

QUATRO GRANDES VALORES

Individualmente a equipe uruguaia apresentou quatro grandes valores: Maspoli, praticando boas defesas e confirmando que foi o melhor arqueiro do campeonato. Matias Gonzalez pela marcação que fez sobre Ademir; Julio Perez e Ghighia pelo valor que emprestaram à tática da equipe. Quanto aos demais foram como os citados inexcedíveis em fibra, em coragem, em vontade de vencer. Foram como todos os "celestes olímpicos" de uma tenacidade impressionante.
O "ONZE" NACIONAL


O onze nacional jogou dentro de seus recursos que não foram todavia bem aproveitados porque o adversário já os conhecia e tratou de anular. O técnico não viu isso e não tratou de fazer alguma cousa, de tomar qualquer medida capaz de alterar o panorama tático. Permitu que os competidores desfrutassem tudo quanto quisessem dos nossos pontos fracos e por isso nada valeu que contassem os nossos com Zizinho, com um Ademir e com um Jair, que possuem chute poderoso.

... O trio final atuou firme sendo que Barbosa fracassou de forma inacreditável no segundo tento, já que a pelota passou entre o seu corpo e o poste esquerdo quando não havia de forma alguma ângulo para Ghighia chutar. No fim do jogo Augusto e Juvenal se mostraram nervosos e se já não vinham concorrendo satisfatoriamente para a organização do jogo, passaram a simples rebatedores. Bauer e Danilo foram o dueto mais completo do quadro, pois tanto individualmente como para o conjunto jogaram muito, principalmente o centro-médio, que teve hoje a sua grande partida.

Poderíamos descarregar nas costas de Bigode a culpa pela derrota. Sim, ele fracassou nos dois lances fatais. Começou o jogo dando uma entrada violenta, desleal e proposital em Ghighia, pra depois tomar autêntico pavor pelo adversário. Queria marcá-lo de longe, ficava apalpando o terreno, sem saber se entrava ou não no ponteiro. Este passava por ele todas as vezes que queria, depois de divertir-se bastante fazendo Bigode dançar de um lado para outro. Os dois ponteiros foram praticamente nulos. Apareceram em algumas jogadas pessoais, mas para o quadro, dentro da concepção do jogo de ponteiros, nada fizeram. Zizinho, extraordinário no armar o ataque e distribuir o jogo, não podia, como é obvio, entrar na área e tentar o gol. Ademir moveu-se a não mais poder. Manobrou constantemente, mas incorreu num grande erro. Pretendia vencer a defesa adversária à base de velocidade. Muitas vezes deveria tentar a finta para progredir, mas não o fez. Jair, apavorado com a defesa contrária, não entrou uma única vez na área uruguaia. Chico, completamente descontrolado. Não era possível que alguém adivinhasse o eu pretendia fazer.

ZERO A ZERO NO PRIMEIRO TEMPO

O primeiro tempo terminou sem abertura de contagem. Os nacionais controlaram bem os primeiros 45 minutos, levando nítida vantagem sobre o adversário. As falhas apontadas e os recursos defensivos do vencedor impediram no entanto que essa vantagem se concretizasse em tentos. Tiveram os nossos excelentes oportunidades para marcar, mas perderam muitos lances por arrematar de longe e com precipitação.

GOL DO BRASIL


Logo no início do segundo tempo, quando não haviam decorridos dois minutos, Friaça marcou o único tento do Brasil. Zizinho, com a bola na altura da intermediária oriental, esperou que Ademir se deslocasse para passar-lhe a bola, que foi controlada pelo último na entrada da grande área. Quando Matias Gonzalez entrou na jogada, Ademir aprofundou a bola para Friaça. Este, talvez no único lance lúcido, não esperou a bola e foi de encontro a ela para arrematar na corrida.

A reação dos uruguaios não se fez esperar. O Brasil passa a jogar bem durante uns quinze minutos para depois decair sensivelmente e agravar-se a situação quando sobreveio o empate.

UM A UM - SCHIAFINO


Aos 20 minutos atacam os uruguaios, sempre pela direita e Julio Perez manda a bola para o centro do campo, onde a recebe Miguez. Este avança um pouco e lança um passe em profundidade em direção da direita. Ghighia avança e perseguido por Bigode chega à linha de fundo. Finta-o e cruza a bola para trás, pondo-a dentro da área. Schiafino, que vinha correndo, desfere um chute de primeira, mandando a bola ao fundo das redes.

Daí por diante surgiram todos os defeitos do onze nacional. A precipitação transparecia claramente e todas as vezes que atacávamos era maior o perigo, pois os contra-ataques orientais eram velocíssimos. Num deles surgiu o gol da vitória.

DOIS A UM - GHIGHIA


Aos 35 minutos Miguez, atrasado, serve Julio Perez. Este rápido adianta a bola para Ghighia, que passa Bigode na corrida, se aproxima do arco e arremata. Barbosa estava colocado e o chute quase não tinha ângulo, mas para surpresa de todos a bola passa entre o corpo do arqueiro e o poste.

Daí por diante os brasileiros queimaram os últimos cartuchos. Foram desesperados para o ataque, mas os uruguaios souberam manter a vantagem.

QUADROS


Os quadros jogaram com a seguinte constituição:

URUGUAI: Maspoli; Matias Gonzales e Tejera; Gambeta, Obdulio Varela e Rodriguez Andrade; Ghighia, Julio Perez, Miguez, Schiafino e Morã.

BRASIL: Barbosa; Augusto e Juvenal; Bauer, Danilo e Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico.

A RENDA

A renda foi de Cr$ 6.272.959,00, que constitui novo recorde mundial de arrecadação em competições esportivas.

JUIZ

Dirigiu o encontro, com acerto, o árbitro inglês George Reader.
 

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